terça-feira, 21 de setembro de 2010

Viagem

Oh! tristeza me desculpe
'tou de malas prontas
hoje a poesia veio ao meu encontro
já raiou o dia, vamos viajar.

Vamos indo de carona
na garupa leve do vento macio
que vem caminhando
desde muito longe
lá do fim do mar.

Vamos visitar a estrela
da manhã raiada
que pensei perdida
pela madrugada
mas que vai escondida
querendo brincar.

Senta nessa nessa nuvem clara
minha poesia, anda te prepara
traz uma cantiga
vamos espalhando música no ar.

Olha quantas aves brancas
minha poesia, dançam nossa valsa
pelo céu que um dia
fez todo bordado de raios de sol.

Oh! poesia me ajude
vou colher avencas,
lírios, rosas, dálias
pelos campos verdes,
que você batiza
de jardins do céu.

Mas pode ficar tranquila
minha poesia
pois nós voltaremos
numa estrela guia
num clarão de lua
quando serenar.

Ou, talvez, até quem sabe
nós só voltaremos
num cavalo baio
no alazão da noite
cujo nome é raio
raio de luar.
   João de Aquino e Paulo César Pinheiro

Oração ao Negrinho do Pastoreio

Negrinho do Pastoreio,
Venho acender a velinha
Que palpita em seu louvor.

A luz da vela me mostre
O caminho do meu amor.

A luz da vela me mostre
Onde está Nosso Senhor.

Eu quero ver outra luz
Na luz da vela, Negrinho,
Clarão Santo, clarão grande
Como a verdade e o caminho
Na falação de Jesus.

Negrinho do Pastoreio,
Diz que você acha tudo
Se a gente acender um lume
De velinha em seu louvor.

Vou levando esta luzinha
Treme-treme, protegida
Contra o vento, contra a noite...
É uma esperança, queimando
Na palma da minha mão.

Que não se apague este lume!
Há sempre um novo clarão,
Quem espera acha o caminho
Pela voz do coração.

Eu quero achar-me, Negrinho!
(Diz que você acha tudo)
Ando tão longe, perdido...
Eu quero achar-me, Negrinho:
A luz de vela me mostre
O caminho do meu amor.

Negrinho, você que achou
Pela mão da sua Madrinha
Os trinta tordilhos negros
E varou a noite toda
De vela acesa na mão
(Piava a coruja rouca
No arrepio da escuridão,
Manhãzinha, a estrela-d'alva
Na voz do galo cantava,
Mas quando a vela pingava,
Cada pingo era um clarão).
Negrinho, você que achou,
Me leve à estrada batida
Que vai dar no coração!
Ah! os caminhos da vida
Ninguém sabe onde é que estão!

Negrinho, você que foi
Amarrado num palanque,
Rebenqueado a sangue pelo
Rebenque do seu patrão,
E depois foi enterrado
Na cova de um formigueiro
Para ser comido inteirinho
Sem a luz da extrema-unção,
Se levantou saradinho,
Se levantou inteirinho:
Seu riso ficou mais branco
De enxergar Nossa Senhora
Com seu filho pela mão!

Negrinho santo, negrinho,
Negrinho do Pastoreio,
Você me ensine o caminho
Pra chegar à devoção,
Pra sangrar na cruz bendita
Pelos cravos da Paixão.

Negrinho, santo Negrinho,
Quero aprender a não ser!
Quero ser como a semente
Na falação de Jesus,
Semente que só vivia
E dava fruto enterrada,
Apodrecendo no chão.
          Augusto Meyer

História de uma gata

Me alimentaram
Me acariciaram
Me aliciaram
Me acostumaram
O meu mundo era o apartamento
Detefon, almofada e trato
Todo dia filé mignon
Ou mesmo um bom filé...de gato
Me diziam, todo momento:
Fique em casa, não tome vento
Mas é duro ficar na sua
Quando à luz da lua
Tantos gatos pela rua
Toda a noite vão cantando assim:
Nós, gatos, já nascemos pobres
Porém, já nascemos livres
Senhor, senhora, senhorio
Felino, não reconhecerás.
De manhã eu voltei pra casa
Fui barrada na portaria
Sem filé e sem almofada
Por causa da cantoria
Mas agora o meu dia-a-dia
É no meio da gataria
Pela rua virando lata
Eu sou mais eu, mais gata
Numa louca serenata
Que de noite sai cantando assim:
Nós, gatos, já nascemos pobres
Porém, já nascemos livres
Senhor, senhora, senhorio
Felino, não reconhecerás.
  Sérgio Bardotti. Os Saltimbancos. Trad. e adapt. de Chico Buarque
Fábula musical inspirada no conto "Os músicos de Bremen", dos irmãos Grimm.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Excursão

O ônibus roncava na subida
e como era difícil o amor de Mariana,
de blusa rala e jeans apertado!
A viagem nem tinha começado
e eu ali, em meio ao vozerio, cantava
batendo nos bancos,
e a professora pedia um pouco de silêncio,
pelo amor de Deus, vou ficar surda,
e a turma batucava e batucava
e batucava no meu peito
um coração pedindo estrada
e tu, nem te ligo,
conversavas com Luísa, ajeitando uma rosa branca
nos teus cabelos lisos,
ô Mariana, vê se me vê, pô, estou aqui,
louco de você, e me calava,
ouvindo o ônibus cheio de amor pela estrada
que diante dele se torcia
machucada.
         Sérgio Caparelli

Essa que eu hei de amar

Essa que eu hei de amar perdidamente um dia
será tão loura, e clara, e vagarosa, e bela,
que eu pensarei que é o sol que vem, pela janela,
trazer luz e calor a esta alma escura e fria.

E, quando ela passar, tudo o que eu não sentia
da vida há de acordar no coração, que vela...
E ela irá como o sol, e eu irei atrás dela
como sombra feliz... - Tudo isso eu me dizia,

quando alguém me chamou. Olhei: um vulto louro,
e claro, e vagaroso, e belo, na luz de ouro
do poente, me dizia adeus, como um sol triste...

E falou-me de longe: "Eu passei a teu lado,
mas ias tão perdido em teu sonho dourado,
meu pobre sonhador, que nem sequer me viste!"
            Guilherme de almeida

Lira do Amor Romântico ou a eterna repetição

Atirei um limão n'água
e fiquei vendo na margem.
Os peixinhos responderam:
Quem tem amor tem coragem.

Atirei um limão n'água
mas perdi a direção.
Os peixes, rindo, notaram:
Quanto dói uma paixão!

Atirei um limão n'água,
ele afundou um barquinho.
Não se espantaram os peixes:
faltava-me o teu carinho.

Atirei um limão n'água,
o rio logo amargou.
Os peixinhos repetiram:
É dor de quem muito amou.

Atirei um limão n'água,
o rio ficou vermelho
e cada peixinho viu
meu coração num espelho.

Atirei um limão n'água,
antes atirasse a vida.
Iria viver com os peixes
a minh'alma dolorida.

Atirei um limão n'água,
caiu certeiro: zás-trás.
Bem me avisou um peixinho:
Fui passado pra trás.

Atirei um limão n'água,
de clara ficou escura.
Até os peixes já sabem:
você não ama: tortura.

Atirei um limão n'água
e cai n'água também,
pois os peixes me avisaram,
que lá estava meu bem.

Atirei um limão n'água,
foi levado na corrente.
Senti que os peixes diziam:
Hás de amar eternamente.
     Carlos Drummond de Andrade

O Amor Antigo

O amor antigo vive de si mesmo,
não de cultivo alheio ou de presença.
Nada exige nem pede. Nada espera,
mas do destino vão nega a sentença.

O amor antigo tem raízes fundas,
feitas de sofrimento e de beleza.
Por aquelas mergulha no infinito,
e por estas suplanta a natureza.

Se em toda parte o tempo desmorona
aquilo que foi grande e deslumbrante,
o antigo amor, porém, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante.

Mais ardente, mas pobre de esperança.
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor.
      Carlos Drummond de Andrade

Dia Branco

Se você vier
Pro que der e vier
Comigo
Eu te prometo o sol
Se hoje o sol sair
Ou a chuva
Se a chuva cair
Se você vier
Até onde a gente chegar
Numa praça na beira do mar
Num pedaço de qualquer lugar
Nesse dia branco
Se branco ele for
Esse tanto esse canto de amor
Se você quiser e vier
Pro que der e vier comigo.
      Geraldo Azevedo e Renato Rocha

Órion

A primeira namorada, tão alta
Que o beijo não alcançava,
O pescoço não alcançava,
Nem mesmo a voz o alcançava.
Eram quilômetros de silêncio.

Luzia na janela do sobradão.
  Carlos Drummond de Andrade

domingo, 19 de setembro de 2010

Indivisíveis

O meu primeiro amor sentávamos numa pedra
Que havia num terreno baldio entre as nossas casas.
Falávamos de coisas bobas,
Isto é, que a gente grande achava bobas
Como qualquer troca de confidências entre crianças de cinco anos.

Crianças...
Parecia que entre um e outro nem havia ainda separação de sexos
A não ser o azul imenso dos olhos dela,
Olhos que eu não encontrava em ninguém mais,
Nem no cachorro e no gato da casa,
Que apenas tinham a mesma fidelidade sem compromisso.

E a mesma animal - ou celestial - inocência,
Porque o azul dos olhos dela tornava mais azul o céu:
Não, não importava as coisas bobas que disséssemos.
Éramos um desejo de estar perto, tão perto
Que não havia ali apenas duas encantadas criaturas
Mas um único amor sentado sobre uma tosca pedra,
Enquanto a gente grande passava, caçoava, ria-se, não sabia
Que eles levariam procurando uma coisa assim por toda a sua vida.
                  Mário Quintana

Poema

Lá vão os loucos,
Lá vão no vento,
Lá vão seus sonhos,
Lá vão medonhos
Seus pensamentos,

E lá vou eu,
Em cada quadra
Me encontro
um pouco.
Fui jornalista
(Fato do dia
Me aborrecia
Se acontecia)
E fui juiz
De casamento
(Só que não fiz
O juramento)

Fui funcionário
(ponto diário,
nível, carreira,
Pouco salário
A vida inteira)
Fui professor
(o que ensinei
eu não sabia.
O que sabia
sempre calei)
(...)
Fiquei poeta
(mas poesia
já se acabou.
A que eu trazia
se dissipou.
Eu a procuro,
mas faz escuro
Por esta rua
por onde vou).
      Ernesto Wayne

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Aula de Português

A linguagem
na ponta da língua,
tão fácil de falar
e de entender.

A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que ela quer dizer?

Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância,
Figuras de gramática, esquipáticas,
atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me.

Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a prima.

O português são dois; o outro, mistério.
          Carlos Drummond de Andrade

Canção do Dia de Sempre

Tão bom viver dia a dia...
A vida assim jamais cansa...
       A viver tão só de momentos
       Como essas nuvens do céu...
É só ganhar, toda a vida,
Inexperiência...esperança...
      E a rosa louca dos ventos
      Presa à copa do chapéu.
Nunca dês um nome a um rio.
Sempre é outro   rio a passar.
      Nada jamais continua,
      tudo vai recomeçar!
E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas
      Atiro a rosa do sonho
      Nas tuas mãos distraídas...
             Mário Quintana

Canção do vento e da minha vida

O vento varria as folhas,
O vento varria os frutos,
O vento varria as flores...

E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De frutos, de flores, de folhas.

O vento varria as luzes,
O vento varria as músicas,
O vento varria os aromas...

E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De aromas, de estrelas,de cânticos...

O vento varria os sonhos,
E varria as amizades...
O vento varria as mulheres...

E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De afetos e de mulheres.

O vento varria os meses
E varria os teus sorrisos...
O vento varria tudo!

E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De tudo.
          Manuel Bandeira

Canção

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois,abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre dos meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito:
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.
      Cecília Meireles

Quero

Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.

Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?

Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao dizer: Eu te amo,
desmentes
apagas
teu amor por mim.

Exijo de ti o perene comunicado,
Não exijo senão isto,
isto sempre,isto cada vez mais.

Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,
amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.

No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de amar-me,
que nunca me amaste antes.

Se não disseres urgente repetido
Eu te amoamoamoamoamo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.
         Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Chama Violeta

Canon Flauta y Arpa

Canon in D para Quarteto de Flautas

Faltando um Pedaço



O amor é um grande laço
Um passo pr'uma armadilha
Um lobo correndo em círculo
Pra alimentar a matilha
Comparo sua chegada
Com a fuga de uma ilha
Tanto engorda quanto mata
Feito desgosto de filha
De filha
           O amor é como um raio
           Galopando em desafio
           Abre fendas, cobre vales
           Revolta as águas dos rios
           Quem tentar seguir seu rastro
           Se perderá no caminho
           Na pureza de um limão
           Ou na solidão do espinho
O amor e a agonia
Cerraram fogo no espaço
Brigando horas a fio
O cio vence o cansaço
E o coração de quem ama
Fica faltando um pedaço
Que nem a lua minguando
Que nem o meu nos seus braços
                    Djavan

domingo, 5 de setembro de 2010

No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
          Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Sarah Brightman - Nessun Dorma Live

A Elegia dos Salgueiros

Há nuvens róseas sobre a colina.
A tarde é loura.
Folhas caíam dos plátanos, girando
em remoinhos na poeira.
                  Os chorões são como prantos de folhagem,
                  como um gesto verde sobre as águas lisas,
                  uma bêñção de folhas...
Na mesma tarde loura, há muitos anos,
eu amei os teus olhos de águas lisas,
eu fiquei debruçado, pensativamente,
como um salgueiro sobre as águas de um açude,
como um salgueiro - sobre a tua vida.
                 E eras indiferente
                 como as águas.
                 Mas eu vira o meu reflexo, trêmulo, trêmulo,
                 a ilusão da minha dor na tua alma.
E passavas, e fugias
como as águas.
                 Mas eu ouvira, entre os ramos verdes,
                 as canções de esperança;
                 era o meu sonho deixar nas águas mansas
                 cair a oferta silenciosa das folhas.
E sorrias, e passavas
como as águas.
                Vai longe, no além, a tarde loura;
                 folhas caíam dos plátanos, girando
                 em remoinhos, na poeira.
Olhos os salgueiros, numa cisma que flutua
sobre as águas do mistério...
                 Alguma cousa misteriosa
                  vai levando a nossa vida como as folhas sobre as águas...
       Augusto Meyer

Maria Callas Bohème: Si, mi chiamano Mimì...

Música Clássica e a Guitarra Portuguesa

A Estrela

Vi uma estrela tão alta!
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia.

Era uma estrela tão alta!
Era uma estrela tão fria!
Era uma estrela sozinha
Luzindo no fim do dia.

Por que da sua distância
Para a minha companhia
Não baixava aquela estrela?
Por que tão alto luzia?

E ouvi- na sombra funda
Responder que assim fazia
Para dar uma esperança
Mais triste ao fim do meu dia.
        Manuel Bandeira